A.L.I.C.E. - Teatro da Garagem
Depois da apresentação de L.A. Lost Angels’ Project to Kill Mankind, em 2012, e a estreia de O Regresso de Ulisses, em 2014, como parte da programação da Fábrica das Artes, o Teatro da Garagem regressou em Abril deste ano ao Pequeno Auditório do CCB para apresentar A.L.I.C.E..
Estreado no Teatro Carlos Alberto (TeCA), no Porto, em 2013, A.L.I.C.E. foi o primeiro espetáculo do Ciclo Caminhadas Especulativas, no qual a equipa do Teatro da Garagem trabalha com atores profissionais e não profissionais. Nesta passagem pelo CCB, foram acompanhados pelos participantes dos Clubes de Teatro Jovem e Sénior do Teatro da Garagem.
Em paralelo, o Teatro da Garagem desenvolveu também um conjunto de actividades no espaço da Fábrica das Artes baseadas no espectáculo e orientadas por Ana Palma, Beatriz Godinho, Maria João Vicente, Nuno Nolasco e Nuno Pinheiro: A Caixa, uma oficina de teatro para jovens do 3º Ciclo e do Secundário, A Caixa - Formação, uma formação inserida no programa Entre a Arte e a Educação e destinada ao público adulto, e Que Sonhos Virão de Alice?, uma video-instalação também para o público adulto.
"No TeCA, ALICE contou com a participação de alunos de todas as Escolas de Teatro do Porto, ou jovens atores recém-formados, os quais não queremos deixar de referir, pois continuam sempre connosco, embora estejamos a 375 Quilómetros de distância… Este projecto tem como ponto de partida não apenas a ideia de formação, mas sobretudo a ideia de experiência estética alargada a um conjunto de pessoas com vivências e interesses distintos, a partir da leitura de Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho, de Lewis Carroll. A Viagem de Alice, como a Vida, é uma aventura física e metafísica. O Teatro, como fórum de debate e lugar de reconhecimento, através da criação e da literacia, talvez contribua para uma sociedade de homens e mulheres, livres, mais fraterna e justa. Arte, Liberdade, Identidade, Coragem, Engenho – A.L.I.C.E."
“Alice do outro lado do espelho” serviu de pedra de toque a este espectáculo.
Numa casa de espelhos presume-se o indecifrável: o alto torna-se baixo, o comprido, curto, o gordo, magro, o princípio, fim, o meio, vazio, o vazio, cheio, etc., etc., reverberando, mais e mais reflexos que abalam a estabilização da imagem, o real comummente aceite. O outro lado do espelho revela a mecânica atroz, cruel e magnífica, de estilhaços intrusivos no vislumbre da forma. Se “Alice do outro lado do espelho” representa o espaço-tempo absoluto desligado de todas as interferências, já que se basta a si próprio na injunção das mesmas, a prisão absoluta do cognoscível determina o puxão da toalha de mesa, o gesto derradeiro de Alice, que fará escaqueirar todas as porcelanas.
O puxão da toalha é a emoção antiga, aquela que foi liberta da anexação pela realidade que traiu a confiança. A emoção que se furtou com elegância à miríade absorvente de pequenas regras que determinavam o que devia ou não devia ser feito, a moral, a política e os costumes. Mas, se o puxão da toalha tem este carácter libertário, de existência em crise que floresce, se abre a porta da cela do cognoscível para o encanto do prado afectivo, não deixa, creio, de acentuar uma ética esforçada, ou até, desesperada, a que apesar de tudo sobra mais a ironia que a normalização.
O quadro ético de Lewis Carroll, ao que consigo intuir, pressupõe a humanidade solitária como resposta às grandes questões por ela colocadas. Por exemplo: e se por hipótese fossemos os únicos no universo a perguntar pela origem do universo? Significaria isso, porventura, que a resposta éramos nós... Essa hipótese tremenda implicaria, seguramente, uma organização radical do nosso tecido social; concebermo-nos e agirmos como um super-organismo, uma termiteira avassaladora, uma colónia de formigas vermelhas em perseguição furiosa de si própria; uma lagarta composta por infinitos segmentos que se movimenta em direcção à metamorfose derradeira, aquela em que nos confundimos com o universo, em que o universo se torna o nome humano, em que a extinção, bem como a luz, ocorrem em igual medida.
Por outro lado, se tenho de percorrer um tabuleiro de xadrez até me tornar rainha, Alice, rainha, universo, que ocorre nesse percurso? Tenho Zenão a soprar-me ao ouvido o seu paradoxo? A impossibilidade de percorrer a distância que vai de A até B, porque posso segmentar infinitamente a distancia enunciada... Mas se, entre A e B, existem infinitos pontos a serem percorridos então, cada ponto, possui em si infinitas possibilidades de segmentação, logo, cada ponto, é infinito... Posso afirmar que: 1 pires = ? Como o Teatro da cadeira vazia de Macbeth = Banquo + Rei + Bruxas +... O ponto-objecto teatral ser ignição de possibilidades incríveis e dinâmicas. O universo feliz da imaginação de uma criança com sete anos e meio! Que quer isso dizer?
O ethos Alice é uma animação infinita, uma festa frenética! Na experiência de cada coisa que pulsa está a expressão de tudo! A cognoscível deixa de ser lógico para se tornar estético. Pensável q.b sem vincos categóricos. Esquissos de intenção em zonas entreabertas. Do outro lado do espelho vislumbra-se o entre. A coisa macia que dança, sensual, arrebatadora.
A eficácia da técnica que sustenta a repetição permite-se substituir à inefabilidade da beleza que sustenta a singularidade.
A uma precariedade democrática sufocante sucede a anarquia atentamente fluída de quem se doa ao infinito.
Esta entrega tem menos de ilusório que a habitual prudência consensualizada. Permite à liberdade cativar e adensar a fraternidade do encontro com todos vós. Permite a cada um ser mais que a soma das suas conveniências e artifícios, postando sinalizações que irradiam indefinidamente um sentido secreto. Este não se permite esgotar em divagações nebulosas. Em vez disso floresce num gesto de franqueza, numa manifestação afectuosa encharcada de verdade.
A verdade, é certo, não existe, embora seja viável a hipótese de um gesto encharcado da mesma. Puxar uma toalha de mesa como quem diz basta, sem receio das consequências.
Frigorífico vazio e coração cheio!
Frigorífico vazio e coração cheio."
Carlos J. Pessoa
A.L.I.C.E.
Teatro da Garagem
Autoria, Encenação e Conceção Carlos J. Pessoa / Textos Lewis Carroll
Dramaturgia Maria João Vicente / Assistência de Encenação Nuno Nolasco
Cenografia e Figurinos Sérgio Loureiro / Operação de Luz Nuno Samora e Manuel Abrantes
Música, Desenho e Operação de Som Daniel Cervantes / Vídeo Nuno Nolasco
Direção de Produção Maria João Vicente / Produção Executiva e Comunicação Carolina Mano Produção e Direção de Cena Mariana Magalhães (Aluna em estágio ESTC)
Interpretação Ana Palma (Rei Branco), Beatriz Godinho (Alice), Duarte Soares (Tuiddledum | Cavaleiro Vermelho), Maria João Vicente (Humty Dumpty), Nuno Nolasco (Tuidledim | Cavaleiro Branco), Nuno Pinheiro (Rainha Vermelha), Vicente Wallenstein (Rainha Branca)
Participantes dos Clubes de Teatro do Teatro da Garagem: Alexandra Paquete (Rei Vermelho), Ana Costa Pereira (Junco Perfumado), Beatriz Cunha (Soldado a Cavalo), Carolina Teixeira (Soldado a Pé), Catarina Henriques (Fadosga), Cláudia Rocha (Árvore), Conceição Lopes (Bode), Constança Cardoso (Caixa com Espelhos | Escaravelho), Inês Milheiro (Coro de Vozes), Inês Preto (Convidada que Fala em Silêncio), Inês Veloso (Coelho Branco), Isabel Leão (Junco Perfumado), Joana Langlois (Coro de Vozes), João Cordeiro (Rã Rouca), Laura
Worm (Corvo), Lídia Alves (Duquesa do Leque), Maria José Vito (Revisor), Maria Luísa Guerreiro (Ouriço), Mário Marciano (Lebre), Marta Lontrão (Pescador), Martim Guerreiro (Unicórnio), Neuza Sequeira (Xaile), Paula Pimentel (Perna de Carneiro), Rita Correia (Espelho que Ilumina | Caranguejo), Selma Fernandes (Leão), Simon Langlois (Coisa que se mexe muito | Soldado), Susana Gomes (Coroa), Teresa Carneiro (Fofinho), Tiago Mascarenhas (Roca | Bolo de Bolacha), Tomás Gomes (Cavalheiro de Papel | Cavalo), Vinicius Ladeira (Veado)
O Teatro da Garagem é uma Companhia financiada pela República Portuguesa – Ministério da Cultura / Direção-Geral das Artes
Apoios: EGEAC, Câmara Municipal de Lisboa, Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e Relógio D’Água Editores
Mais informação sobre o Teatro da Garagem em www.teatrodagaragem.com.
(c)Teatro da Garagem |
Estreado no Teatro Carlos Alberto (TeCA), no Porto, em 2013, A.L.I.C.E. foi o primeiro espetáculo do Ciclo Caminhadas Especulativas, no qual a equipa do Teatro da Garagem trabalha com atores profissionais e não profissionais. Nesta passagem pelo CCB, foram acompanhados pelos participantes dos Clubes de Teatro Jovem e Sénior do Teatro da Garagem.
(c)António Marciano |
Em paralelo, o Teatro da Garagem desenvolveu também um conjunto de actividades no espaço da Fábrica das Artes baseadas no espectáculo e orientadas por Ana Palma, Beatriz Godinho, Maria João Vicente, Nuno Nolasco e Nuno Pinheiro: A Caixa, uma oficina de teatro para jovens do 3º Ciclo e do Secundário, A Caixa - Formação, uma formação inserida no programa Entre a Arte e a Educação e destinada ao público adulto, e Que Sonhos Virão de Alice?, uma video-instalação também para o público adulto.
(c)António Marciano |
"No TeCA, ALICE contou com a participação de alunos de todas as Escolas de Teatro do Porto, ou jovens atores recém-formados, os quais não queremos deixar de referir, pois continuam sempre connosco, embora estejamos a 375 Quilómetros de distância… Este projecto tem como ponto de partida não apenas a ideia de formação, mas sobretudo a ideia de experiência estética alargada a um conjunto de pessoas com vivências e interesses distintos, a partir da leitura de Alice no País das Maravilhas e Alice do Outro Lado do Espelho, de Lewis Carroll. A Viagem de Alice, como a Vida, é uma aventura física e metafísica. O Teatro, como fórum de debate e lugar de reconhecimento, através da criação e da literacia, talvez contribua para uma sociedade de homens e mulheres, livres, mais fraterna e justa. Arte, Liberdade, Identidade, Coragem, Engenho – A.L.I.C.E."
- in folha de sala de A.L.I.C.E., CCB, Abril, 2016
Nas palavras de Carlos J. Pessoa (autor/encenador):
Sobre o gesto derradeiro de “Alice do outro lado do espelho”
“Alice do outro lado do espelho” serviu de pedra de toque a este espectáculo.
Numa casa de espelhos presume-se o indecifrável: o alto torna-se baixo, o comprido, curto, o gordo, magro, o princípio, fim, o meio, vazio, o vazio, cheio, etc., etc., reverberando, mais e mais reflexos que abalam a estabilização da imagem, o real comummente aceite. O outro lado do espelho revela a mecânica atroz, cruel e magnífica, de estilhaços intrusivos no vislumbre da forma. Se “Alice do outro lado do espelho” representa o espaço-tempo absoluto desligado de todas as interferências, já que se basta a si próprio na injunção das mesmas, a prisão absoluta do cognoscível determina o puxão da toalha de mesa, o gesto derradeiro de Alice, que fará escaqueirar todas as porcelanas.
O puxão da toalha é a emoção antiga, aquela que foi liberta da anexação pela realidade que traiu a confiança. A emoção que se furtou com elegância à miríade absorvente de pequenas regras que determinavam o que devia ou não devia ser feito, a moral, a política e os costumes. Mas, se o puxão da toalha tem este carácter libertário, de existência em crise que floresce, se abre a porta da cela do cognoscível para o encanto do prado afectivo, não deixa, creio, de acentuar uma ética esforçada, ou até, desesperada, a que apesar de tudo sobra mais a ironia que a normalização.
O quadro ético de Lewis Carroll, ao que consigo intuir, pressupõe a humanidade solitária como resposta às grandes questões por ela colocadas. Por exemplo: e se por hipótese fossemos os únicos no universo a perguntar pela origem do universo? Significaria isso, porventura, que a resposta éramos nós... Essa hipótese tremenda implicaria, seguramente, uma organização radical do nosso tecido social; concebermo-nos e agirmos como um super-organismo, uma termiteira avassaladora, uma colónia de formigas vermelhas em perseguição furiosa de si própria; uma lagarta composta por infinitos segmentos que se movimenta em direcção à metamorfose derradeira, aquela em que nos confundimos com o universo, em que o universo se torna o nome humano, em que a extinção, bem como a luz, ocorrem em igual medida.
Por outro lado, se tenho de percorrer um tabuleiro de xadrez até me tornar rainha, Alice, rainha, universo, que ocorre nesse percurso? Tenho Zenão a soprar-me ao ouvido o seu paradoxo? A impossibilidade de percorrer a distância que vai de A até B, porque posso segmentar infinitamente a distancia enunciada... Mas se, entre A e B, existem infinitos pontos a serem percorridos então, cada ponto, possui em si infinitas possibilidades de segmentação, logo, cada ponto, é infinito... Posso afirmar que: 1 pires = ? Como o Teatro da cadeira vazia de Macbeth = Banquo + Rei + Bruxas +... O ponto-objecto teatral ser ignição de possibilidades incríveis e dinâmicas. O universo feliz da imaginação de uma criança com sete anos e meio! Que quer isso dizer?
O ethos Alice é uma animação infinita, uma festa frenética! Na experiência de cada coisa que pulsa está a expressão de tudo! A cognoscível deixa de ser lógico para se tornar estético. Pensável q.b sem vincos categóricos. Esquissos de intenção em zonas entreabertas. Do outro lado do espelho vislumbra-se o entre. A coisa macia que dança, sensual, arrebatadora.
A eficácia da técnica que sustenta a repetição permite-se substituir à inefabilidade da beleza que sustenta a singularidade.
A uma precariedade democrática sufocante sucede a anarquia atentamente fluída de quem se doa ao infinito.
Esta entrega tem menos de ilusório que a habitual prudência consensualizada. Permite à liberdade cativar e adensar a fraternidade do encontro com todos vós. Permite a cada um ser mais que a soma das suas conveniências e artifícios, postando sinalizações que irradiam indefinidamente um sentido secreto. Este não se permite esgotar em divagações nebulosas. Em vez disso floresce num gesto de franqueza, numa manifestação afectuosa encharcada de verdade.
A verdade, é certo, não existe, embora seja viável a hipótese de um gesto encharcado da mesma. Puxar uma toalha de mesa como quem diz basta, sem receio das consequências.
Frigorífico vazio e coração cheio!
Frigorífico vazio e coração cheio."
Carlos J. Pessoa
Teatro da Garagem
Autoria, Encenação e Conceção Carlos J. Pessoa / Textos Lewis Carroll
Dramaturgia Maria João Vicente / Assistência de Encenação Nuno Nolasco
Cenografia e Figurinos Sérgio Loureiro / Operação de Luz Nuno Samora e Manuel Abrantes
Música, Desenho e Operação de Som Daniel Cervantes / Vídeo Nuno Nolasco
Direção de Produção Maria João Vicente / Produção Executiva e Comunicação Carolina Mano Produção e Direção de Cena Mariana Magalhães (Aluna em estágio ESTC)
Interpretação Ana Palma (Rei Branco), Beatriz Godinho (Alice), Duarte Soares (Tuiddledum | Cavaleiro Vermelho), Maria João Vicente (Humty Dumpty), Nuno Nolasco (Tuidledim | Cavaleiro Branco), Nuno Pinheiro (Rainha Vermelha), Vicente Wallenstein (Rainha Branca)
Participantes dos Clubes de Teatro do Teatro da Garagem: Alexandra Paquete (Rei Vermelho), Ana Costa Pereira (Junco Perfumado), Beatriz Cunha (Soldado a Cavalo), Carolina Teixeira (Soldado a Pé), Catarina Henriques (Fadosga), Cláudia Rocha (Árvore), Conceição Lopes (Bode), Constança Cardoso (Caixa com Espelhos | Escaravelho), Inês Milheiro (Coro de Vozes), Inês Preto (Convidada que Fala em Silêncio), Inês Veloso (Coelho Branco), Isabel Leão (Junco Perfumado), Joana Langlois (Coro de Vozes), João Cordeiro (Rã Rouca), Laura
Worm (Corvo), Lídia Alves (Duquesa do Leque), Maria José Vito (Revisor), Maria Luísa Guerreiro (Ouriço), Mário Marciano (Lebre), Marta Lontrão (Pescador), Martim Guerreiro (Unicórnio), Neuza Sequeira (Xaile), Paula Pimentel (Perna de Carneiro), Rita Correia (Espelho que Ilumina | Caranguejo), Selma Fernandes (Leão), Simon Langlois (Coisa que se mexe muito | Soldado), Susana Gomes (Coroa), Teresa Carneiro (Fofinho), Tiago Mascarenhas (Roca | Bolo de Bolacha), Tomás Gomes (Cavalheiro de Papel | Cavalo), Vinicius Ladeira (Veado)
O Teatro da Garagem é uma Companhia financiada pela República Portuguesa – Ministério da Cultura / Direção-Geral das Artes
Apoios: EGEAC, Câmara Municipal de Lisboa, Junta de Freguesia de Santa Maria Maior e Relógio D’Água Editores
Mais informação sobre o Teatro da Garagem em www.teatrodagaragem.com.
(c)António Marciano |
(c)António Marciano |
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