Editorial Arte e Educação | Temporada 2023/2024 Um Chão Comum

 Quanto Vale a Liberdade?  - Dramaturgias da revolução 

©Manuel Ruas Moreira


«Quanto vale a liberdade?» foi, pois, a interrogação que sustentou, há já 15 anos, a conceção da primeira programação da Fábrica das Artes do CCB, quando António Mega Ferreira a desafiou a conceber também atividades para públicos jovens que integrassem o seu ciclo programático O Nazismo e a Cultura. Esse acontecimento desenhou o manifesto inicial da Fábrica das Artes de considerar a dimensão política de todas as infâncias e a sua relação com a indeterminação da criação artística, da qual surge uma novidade, onde o novo, o estranho e a subjetividade são possíveis. Trata-se de levar a sério a vida artística dos mais novos; tomá-la inteira, na sua completude, na sua luz e escuridão mais íntima, tanto no divertimento como na abstração exigente e tudo refletido na complexidade de uma criação artística contemporânea.

Passados 50 anos da Revolução dos Cravos, face ao estado do mundo e ao seu futuro obstruído – das guerras às alterações climáticas; das pandemias aos fascismos; das desigualdades à ferocidade veloz e alienada em que tudo isto se passa – o que pensar do futuro hoje? A visão parece apocalítica, logo o futuro está noutro lado. O que é nascer nisto? O que é ser criança e jovem nisto? As crianças e jovens não estão imunes a esta realidade. Como é isto? Acaba o mundo e o tempo? Dói? Mata? Qual será o Chão Comum que releva a nossa humidade e fortalece a dimensão crítica, estética e política da vida? Mas afinal porque é que o céu continua a querer ser olhado?

O desafio permanece ativo mais do que nunca: tomar o espaço da programação e do teatro, no sentido do que nos é comum, de uma pólis, e como moldura para pensar hoje, em escuta e diálogo com os nossos públicos jovens, a democracia, a liberdade, a revolução e as suas ressonâncias…
Nesta temporada, a programação, focada na adolescência, reúne um conjunto de espetáculos e conversas que trazem temas pungentes e que farão cumprir a dimensão artística, política e educativa da sua proposta programática: Bora lá Laborar do Teatro Ferro/Igor Gandra; Um Mini Museu Vivo de Memórias do Portugal Recente do Teatro do Vestido/Joana Craveiro; Rádio Benjamim do Teatro
da Cidade/Guilherme Gomes; Mundo Oco de Rosinda Costa/ MãoSimMão; Batalha do LAMA teatro/João Brito (Teatro Nacional D. Maria II | Odisseia Nacional); descobri-quê? de Cátia Pinheiro, Dori Negro e José Nunes (Teatro Nacional D. Maria II | Odisseia Nacional). E Quanto Vale a Liberdade? - Dramaturgias da Revolução, uma ideia lançada pela Fábrica das Artes a um conjunto de artistas para a criação de uma instalação/jogo e de cinco solos performativos. Trata-se de um engenho, uma maquineta inspirada no mecanismo de um relógio que serve para medir, pesar, cheirar, escutar e até tocar a liberdade.

A arte pode, pois, ser devir de futuro, e nela a diversidade em movimento, com mais confluências e cruzamentos do que integração e norma. Para isso precisamos de uma maior transferência de meios e de um desenvolvimento sustentado de públicos abertos que rompa com a lógica fragmentada do
espetáculo. Em continuidade, aproveita-se os impactos e os fluxos de cada experiência artística, desdobrando-se em ciclos sucessivos, propagações e declinações para fora de si, numa linha em espiral em direção ao futuro. Só assim se pode inscrever alguma coisa de permanente e estruturante que desperte curiosidades, nutra sensibilidades, ensine as linguagens e vocabulários próprios das artes e opere novas ligações, instalando mudança e transformação. Circularidade, permanência e novidade, por tudo isto, é continuamente futuro.

Como procuramos inscrever no programa Cultura É Educação que articula fruição da programação, residências de criação artísticas e espaços de formação e reflexividade com profissionais e que, agora, procuraremos difundir noutras escolas.

Precisamos também de cultivar a circulação de projetos no mundo – lugar onde estão os jovens-futuro, as infâncias todas, e por isso, também a nossa esperança e o nosso dever; e as artes que o façam como só elas o sabem fazer. Para percorrermos juntos arcos de transição de públicos na
programação, inauguramos o Espectador Emancipado – Clube de Jovens, que aproximando às artes e aos artistas de modo continuado, convida à construção de um projeto cultural pessoal e autónomo.

O programa da Fábrica das Artes para esta temporada é, pois, uma celebração ao 25 de Abril; um agradecimento a António Mega Ferreira; uma festa dos 15 anos da Fábrica das Artes; um canto aos bons encontros entre as artes e os seus artistas e os públicos todos. 


Madalena Wallenstein
Programadora e Coordenadora
da Fábrica das Artes




Comentários

Mensagens populares